Cláudia Feltrin
2 min readFeb 13, 2021

ir embora pra só voltar às vezes e aos poucos. deslizar feito gosma desse corpo pra virar passarinho e nunca mais me questionar se algum dia aqui nessa esquina vou parar de sentir medo de olhar pros lados. ir embora pra fugir dos fantasmas da fumaça da barra dos pais que não me enxergam do homem que pela primeira vez passou a mão em mim aos onze e de todo esse estrago que hoje ainda me é estranho pensar se não foi eu. de quem é toda essa culpa? se não minha, então de quem?

ver os seios crescerem e os pelos das pernas amarelarem junto com os crimes que nasci carregando nos dedos. ver a carne apodrecendo aos poucos enquanto a culpa continua moça. de quem é tudo isso e por que ela se fundiu aqui por baixo desses braços e na pele dos ombros como se já fosse de casa? mas finalmente tatear as dores sem as vendas. ter vontade de gritar por ter me entendido como lobo por tanto tempo quando eu era presa.

se não eu então quem me ensinou que se eu pensar pensar pensar e falar falar falar demais você vai fugir. onde eu aprendi que o amor dói esse tanto e que bom que machuca? quem me disse pra ter tanto medo de dizer não de não querer de deixar foder porque é só um pedacinho de carne mesmo que não vai alcançar o que tem aí dentro. quem foi? quem foi que me ensinou a ter tanta vontade de correr quando não tem pecado quando não tem manipulação porque essa terra não me é fértil?

enxergo agora os lobos. não ter mais tanta paciência de idealizar bondade e transformar em cidades os predadores mesmo que seja muito confuso se desfazer da ideia. acho que esse é teu maior medo, às vezes se dar por arruinada. nos outros dias sentar no sofá sentir todos os ossos amolecendo até virarem gesso e enfiar os cinco dedos na garganta pra ver se consigo arrancar os percevejos,

mas não arranco

ainda é difícil matar o que por tanto tempo me pôs em silêncio