Cláudia Feltrin
1 min readJan 21, 2021

manhã

pensar muito sobre a vida depois de perder a inocência e os dentes de leite e o tempo no meio desse período. o que eu fiz desse tempo? em qual calçada de qual época de qual lacuna vivia eu mas essa eu de hoje que sente tudo com a estranheza da maldade que será mesmo da minha natureza ou só o legado que me deixaram? o que tenho feito desse tempo que ao mesmo que seca me abre furos que há muito se devoram daqui? das alergias que puxo as cascas. dos tufos de cabelo no travesseiro. percebi que há muito contorno essa solidão como quem por anos cruzou as esquinas sem abrir os olhos, sem querer assistir onde pisa. e mais do que se entender sozinha desde muito antes da inocência e desde muito depois dela é se cogitar desesperada pra suprir. mas pela primeira vez depois de sentir tanto medo me é calmo ser deserta. e não doer o que vem depois. não sentir tanta ansiedade pelo antes dessas manhãs que têm cheiro das viagens de outono pra canguçu e sentido a estradas feitas de vapor e de amarelo e de uma ingenuidade que não me retorna. porque ainda é sobre esse tempo que me caleja as mãos. esse tempo que continua sendo o mesmo tempo que esverdeia os campos. e é um alívio e um pavor, pela primeira vez, me acolher sem um pingo de controle.