Cláudia Feltrin
2 min readOct 14, 2019

esse samba baixinho me faz ter vontade de te tirar pra dançar naquela rua bonita que a gente gosta e sempre faz questão de passar por lá mesmo que o caminho seja outro

e é que na verdade eu queria te pedir desculpas porque eu nunca parei pra te olhar de verdade e acariciar as fraturas e os fins mal cicatrizados e toda essa coisa que, eu sei, a gente não sabe entender de onde dói

e o perdão sempre deveria ter te regado primeiro

dói muito escrever sobre você porque eu nunca escrevi sobre nos absolver nos acariciar nos olhar com um tempo que pede sossego e na verdade sempre foi muito difícil entender essa expressão crua e o rosto de quem já perdeu a fé

e o ponto é que isso não é um pedido de desculpas

é uma carta de consolação

e eu preciso me consolar por todas as vezes que te olhei no espelho e deixei arder o que já passou como uma enclausurada: pelas cicatrizes pelos impulsos pelas frustrações pelo medo intenso

de te carregar como casca

enquanto tu não se resume a ser apenas concha

quando se é os pés que me sustentam e a parte ensolarada que me permite enlaçar as pessoas que eu amo nesses braços que pedem por cura, a carne oca e que carrega tanto os ossos que já não tem tanta credulidade em continuar de pé mas

nunca abriram mão dessa alma

má e que tanto despejou

sobre o corpo

os problemas de dentro

mas perdoar-se é um processo bambo que não pergunta pelo prazo. e como é mais fácil olhar pro outro como alguém que já errou muito mas que não vai ser a última vez e tudo bem. como é mais fácil entender o outro como alguém em constante estado de erudição como alguém que ainda tem muita pele a retalhar e não tem problema se doer. como é mais confortável deixar o erro do outro doer e martirizar o meu porque já deixei de ser digna faz muito mas como pude eu ser egoísta demais de entender meus erros como condenáveis?

perdoar-se é um processo bambo

e eu ainda não aprendi a andar por linhas tortas sem estremecer